quinta-feira, abril 27, 2006

Estranhas camas

Conheço a cama onde deitada sei que pensas em mim. Em minha mente deito-me nela também e a teu lado deixamo-nos ficar em silêncio na simples contemplação desse nada só nosso. No medo de perder para sempre o que invisível cresceu plácido ao nosso redor, nem tu nem eu ousamos proferir qualquer das palavras que ainda gritam calmas dentro de nós. Mover-me parece-me agora tão estranho que talvez me tenha esquecido de como se faz, e mesmo que o saiba ainda, sei também que não quero tentar. Não agora que repousa o conforto entre nós, que lá fora o mundo se acalmou nas tormentas dos Homens para nos deixar ali, que tudo ao nosso redor se cristalizou no seu melhor momento para nos encastrar no seu esplendor floral de luz... e assim ficamos, julgando ser esta a nossa eternidade.
Mas talvez não! Lá fora ainda sofre o caótico trânsito da manhã; o sol, que pouco sol revela ainda, queima já no seu arrasto, e em nós pesa inglório o ónus dessa ignóbil vergonha de esticar a mão, de ceder, de ser o primeiro a tentar, de nos engolirmos a nós mesmos, de abdicar. Estamos à distância das nossas cordas vocais, da vontade de nossos pés, de um gesto em nossas mãos, mas orgulhosos e conscientes falhamos... como sempre...
Somos indigentes das nossas verdades e sabêmo-lo! E é por isso que não estamos na mesma cama, que nas camas onde estamos juntos na verdade estamos sós, e que a nossa cama só o poderá ser quando e se ambos assim quisermos.