quarta-feira, junho 14, 2006

Loucura

Sentado na beira da minha cama, não sei se acordei já. Não abro os olhos, ainda é cedo para ver o que é real mas de repente algo me invade… de repente sou feliz! Não me quero mover, não quero pensar, não quero fazer nem um gesto. Não pode fugir. Quero que este cosmos, que sobre mim se derramou, em mim habite… só mais um pouco. De uma só vez e em uníssono sou os sorrisos que as faces de meus amigos me deram, os doces olhos que as mulheres que tive me emprestaram, o riso infantil de meu primo Tomás quando lhe faço cócegas, a calma das tardes de Verão na companhia de meus pais, o aconchego do frio beirão na lenta combustão do carvalho na lareira, a leveza da luz de Lisboa ao pôr-do-sol, a decisão das vozes que fremem altas em Madrid e sempre me contagiam… em tudo isto fui e sou e tudo isto é agora em mim…
E penso: “seria demasiado ficar neste mesmo lugar, assim, para sempre nesse vício de egoísmo puro que deixa o mundo correr fútil e vago lá fora?! Entregar-me à loucura de permanecer feliz até perecer na fome?!...” e neste mesmo pensamento se exaure de essência este momento que ainda que fugaz sei que foi meu.
Afasta-se rápida essa tal de “loucura” momentânea. Ponho o peso nos pés contra o chão e sinto-me desperto, e ainda que não acordado cumpro agora a velha rotina. Primeiro a camisa branca como o pensamento da manhã, depois a gravata encarnada como o sangue que a trote pulsa em minhas veias, o fato escuro que ponho mas não visto, os sapatos negros que calço mas não uso e assim tapei do mundo o homem que acordou feliz…
Paro em frente ao espelho, olho o que resta de mim e afinal não sei se, ao invés, não será isto a loucura!