domingo, setembro 28, 2008

A noite da viagem

Enchera-se a casa de um silêncio que a fazia demasiado pequena enquanto lá fora uma ave estranha zurrava para os lembrar de que não estavam surdos. Aquela escolha que ambos conscientemente faziam, pesava no ar e afastava-os numa repulsa magnética que nenhum parecia querer quebrar.
Era como se se tivesse partido o leme e se deixassem bolinar agora pela força de um orgulho tão espesso que talvez até já nem se lembrassem de como haviam ali chegado ou talvez fosse demasiado doloroso admitir que haviam mudado tanto ao longo da neblina da viagem que no final já não eram as mesmas pessoas e agora era demasiado tarde ou doloroso para admiti-lo.
Agora o sal queima nas feridas e cicatrizes que se acumularam ao longo da viagem e o pó que haviam deixado acumular nos cantos do navio começa a ser inevitável… resta saber se ainda há braços para remar mais ou se a entrega à derrota traz mais paz que o conforto exausto de voltar ao leme.
Talvez um dia se chorem com outros olhos que não estes ou talvez nas suas bocas nasçam luas… mas enquanto um novo dia não nascer e ainda sem rumo e com o mesmo rombo no casco, seguirão adentro numa talvez demasiado longa noite.