sexta-feira, maio 26, 2006

Do sonho à utopia

Por mim outros disseram antes que confundimos as nossas pernas trocando de corpo, que em teus lábios ficou meu suor e em minhas mãos teus seios, mas o que ninguém disse foi que antes deste nosso calor éramos já só um. Ninguém disse que já antes teus olhos eram meus, que meu caminhar era já teu e que minhas mãos já só o eram para se fundirem nas curvas de teu corpo. Ninguém disse que antes de o sermos já o éramos e ninguem o disse porque ninguém o viu… nem nós!
É por isso que não sei que vêem teus olhos enquanto meus pés erram pela calçada e deste vazio na doença que é querer-te e crer-te, me resta apenas a fraca verdade de que teus seios carecem estas minhas torpes mãos como o meu suor de teus lábios… e onde estás que não te sinto de tão dormente que estou?!
Sei que te sou e que me és, que me pertences como eu a ti, que tens todas as chaves de minhas portas e todas minhas janelas dão para o teu mar. Mas quem és?! E onde estás que de te ver em todo o lado não te vejo de todo?!
Se sou teu reclama-me para ti, se tanto me queres procura-me, se me sentes encontra-me. Desculpa-me se forças não encontro já nem em meu corpo nem em minha alma de tanto em vão me magoar para te trazer aqui, mas começo a fazer-me crer que este sonho não é mais que uma mísera e infrutífera utopia…

quarta-feira, maio 24, 2006

Aquela nossa noite

Entraste na minha noite, pequena e singela, para depressa a fazeres nossa. Mas para mim foi como se o mundo tivesse começado a girar noutro sentido para me mostrar com outra luz o que há muito não via, se é que alguma vez cheguei a ver.
Impuseste a tua voz sobre a minha e juro que por momentos julguei que nem sequer me ouvias, mas deixei de lado o orgulho e desculpei-te na tua inocente graça. Sorrimos e rimos, mexemos os corpos, molhámos os lábios um pouco salgados pelo ar húmido que se fazia sentir, e assim o tempo se esqueceu de nós.
Já na claridade que anunciava a morte da noite, demorei mais no compasso já lento que levava para acompanhar teus pés cansados e doridos, mas ainda deste-me um não pouco convicto mas nobre, quando me propus carregar a tua leve existência em minhas costas. Jamais esquecerei os tímidos sorrisos que de soslaio me deste enquanto testava a tua paciência ao volante, e deixei-me seduzir por eles para não encarar a verdade de que, depressa e de novo, iríamos apanhar o tempo dos outros mortais e que então ter-te-ia que deixar... E pode até ser que me tenhas sabido mais doce pelo vazio que muitas vezes tem sido a minha vida, mas pouco me importa porque me recuso a aceitar que tudo o que é bom tem um fim, que a seguir ao doce vem sempre o amargo e que estando longe não te possa ter perto.

terça-feira, maio 16, 2006

Melhor que não te queira

Todos dizem que em tua alma há muito que não raia o sol e que por isso teu corpo fraqueja já de quando em vez. Todos me dizem que teu remédio talvez fosse eu, que em mim poderias ser tu outra vez e que nós dois decerto teríamos um plácido amanhã. Mas todos te querem para mim e ninguém vê que a ternura que trago doce em meu olhar só por te ver, a ti não chega. Que a minha esperança destruída morre como ondas de Setembro nas escarpas que erigi nas praias de meu peito e que na ampulheta de teu pensamento sou apenas um pequeno grão e nada mais!
Mas vou seguindo de olhos secos, imaginando o travo quente de nossa saliva e suor sempre que derreto em minhas mãos outros corpos na vingança de não ter o teu... e sei que em breve morrerás por minhas mãos em mim, porque se te sinto mais te nego, porque se não te posso ter é melhor que não te queira!
É por isso que em mim me vou fechando de ti e dos meus sonos intranquilos vou demitindo a lume brando os sonhos onde me assaltavas mais mulher que nunca. Porque não posso... porque ainda não existes como te quero e porque talvez nem nunca chegues a existir...
Enquanto não seja eu o teu remédio não há remédio para mim! Que me perdoes um dia se chegares a querer o meu calor, mas vou delicadamente largar-te num confortável lugar do meu passado para que, não te tendo, jamais me culpe de ter sido por não te ter estimado...

sábado, maio 13, 2006


Photo by: Diogo Franco

quinta-feira, maio 11, 2006

Nós

Pela porta sais
Dessa noite segura
E sem olhar para trás
Deixas-me na tortura
De não saber onde vais
Na tua formosura

Fico em nossos lençóis
Com o que não se diz
Pensando n’outros mil sóis
Em que me farás feliz

Passam as nossas ruas
Por teus leves pés
E no frio que mostras
Escondes ao invés
Curvas quentes e puras
Do que para mim és

Sigo em nossos lençóis
Com o que não se diz
Pensando n’outros mil sóis
Em que me farás feliz

E pela porta entras
No fim do teu dia
Onde já te espera
Esta minha alegria
Mas sem mim enfrentas
Esta cama vazia

Saio de nossos lençóis
Com o que não se diz
Pensando n’outros mil sóis
Em que me farás feliz

quinta-feira, maio 04, 2006

Palpáveis Ilusões

Dou por mim de novo a cair no mesmo erro, a escolher igual caminho sempre que a vida me traz de volta a este mesmo sítio, e não me parece que a memória me possa salvar de mim mesmo.
De novo e como sempre, perdi a conta às horas que passo a moldar-te em minha mente, em que te faço personagem inaudita nas minhas mãos de escritor. Com Tchaikovsky em surdina ao fundo, imagino os cenários pintados à mão em tons de carmim onde vens até mim para ser minha, para me fazer sentir um homem como quiçá não fui ainda, mas no fundo sei poder ser. Mas não um homem qualquer, não um desses homens banais que vagueiam pela vida sem amor com as almas cheias de nada... não, um desses não... quero sentir-me O teu homem! E nesse mesmo instante deixo de ser a réstia dos pedaços quebradiços que as mulheres de ontem fizeram de mim, deixo de ser o que se vê para me tornar no que sou e permito-me aceitar tudo aquilo que tanto esperou por ti bem no meu âmago e que escondi do mundo e de mim só para em secreta intimidade te dar.
E agora, como sempre, espero-te como olhos madrilenos por um mar, espero-te Maria ou Rosa, loira ou morena para que possa ver em ti o que quero, para que aconteças em mim como planeio. E ainda que o tempo te revele para não seres nada de tudo o que quis ver, e que no fundo e como sempre caia esse falso gesso que moldei sobre o teu granito para o velar a meus olhos, e de novo regresse a este mesmo sítio, do qual apenas saí por me mentir... a verdade é que não posso ainda negar que te quero.
E que fazer se é esta palpável ilusão tudo o que sei ser meu, se é este engano o único que conheço que me faz sentir “eu”?! Talvez nada me reste mais senão esperar que um dia o teu caminho me encontre e que debaixo desse gesso com que eu te cobrir em nosso amanhecer, hajam pérolas, ouro e diamantes... para que não haja nunca fim de “nós” e para que não mais me sinta falhado e vazio na culpa de meus próprios enganos.