segunda-feira, março 27, 2006


Photo by: Diogo Franco

sexta-feira, março 24, 2006

A minha Covilhã

Repousa já quase na sua totalidade a luz natural do outro lado do maciço que se reclina para a acomodar a cidade no seu regaço. Longos campos se espraiam bucolicamente aconchegando de doirado e verde o sopé onde as casas, para se refugiarem do granítico frio que teima em soprar de norte, se juntam ao calor da luz de candeeiros alaranjados.
Sulcada pela violenta vontade das águas livres que outrora a fizeram mover, a cidade aperta nas quelhas o labiríntico abraço da sua velada beleza e deixa que seja hoje o caminhar jovem de outros lugares a encher de energia os antigos pinheiros que anarquicamente a circundam.
Aqui as almas emanam puras de bocas que se abafam no sotaque fechado e a neblina não é igual à de lugar algum. Esta parece sempre unir-se progressiva e lentamente na missão de abraçar, por uma noite mais, o sono de ruas que sempre se sobem em desafio ao contrário sentido das ribeiras, onde as contíguas fábricas jazem injustamente flageladas pelo chicote pesado dos anos. Talvez esperem ainda, e em vão, que uma mão gentil e meiga as socorra do fim que ainda hoje são renitentes em aceitar.
Erigida na brutalidade de máquinas texteis sobre a base de um verde equilíbrio permanente e coroada sazonalmente por neve, sei que não é só uma cidade, é uma plácida simbiose de liberdade e conforto que me deu mais do que algum dia poderei devolver.

sábado, março 18, 2006

in-existentia

Põe o seu melhor vestido negro e nele não se permite ver nada mais para além do que quer. Põe a base, em excesso, para esconder a tristeza de ainda ter que a pôr e em seguida deixar-se cair até ao distante piso térreo onde o grande cavalo, igual a tantos outros nunca brancos, a leva até onde julga ter de ir. Antes de se deixar conduzir ainda olha de relance os néons da rua que incitantes parecem fremer para si.
Agita-se já mais torpe e por momentos crê-se comandada por olhos alheios que lhe moldam os movimentos no corpo e assim se dista de si ainda que isso não pareça importar-lhe de todo. Mas galopam as horas de um dígito entardecendo nos seus membros a noite e acordando a neurastenia da primeira luz natural que a conhece tão bem.
E de repente já não é, foi… e agora não quer regressar… mas regressa lentamente e arrasta atrás de si o fundo dos copos que não partilhou. A rua parece-lhe agora feita de uma aguarela demasiado alva e pouco forte nas cores que se vai borrando disforme à sua passagem.
Sobe para o seu cavalo, que de novo sem cavaleiro, lhe parece agora um pouco mais escuro. Alterna o seu playback que corta ousadamente o silêncio por alguns olhares distantes no vazio (talvez o seu), ao mesmo tempo que o pesado frio húmido do Inverno lisboeta funestamente incomoda e alastra dos braços para as costas.
Já está em casa e ainda que o profira jamais a sente. Deita-se e de olhos fixos na imensa e envolvente escuridão não sabe se vai dormir ou acordar por umas horas…

quarta-feira, março 15, 2006


Photo by: Diogo Franco

domingo, março 12, 2006

Sísifo

Não escrevo mais porque não quero! Ao ritmo do toque de caracteres outro pedaço de mim se arranca polido para depois se esbater no negro fundo digital a que o condeno.
Entrego-lhe o nome que para mim tem e deixo-o repousar ao som da matemática sinfónica das mentes de quem o lê… se é que os há!
Não espero e não quero com eles juízos de mim porque ainda que me pertençam e sejam também parte minha, não o são em lugar físico porque não tem de ser e nunca assim quis. São mudos gritos que me libertam do espartilho do que tem de ser, tornando belo o que não foi, real o que não é, doce o que a acre sabe ou tudo isto e algo mais que sempre se pinta com outras cores para as quais ainda não há palavras em todas as línguas dos comuns mortais.
E se digo que não escrevo mais escrevendo, é porque de novo, quem o escreve e quem o afirma não pertence ao mesmo lugar já que no fim escrevi e, como Sísifo, tudo recomeça…

sábado, março 04, 2006

Separa-nos o que nos une

Ruge esta casa em rancor à solidão que nas portas fechadas habita. Gasto de ti, denuncia obsidiante o espelho que troco no olhar pela janela cheia da luz que já não usas.
Fogem-me nos dedos fechados o tempo que não posso agarrar dos mil elogios que trocávamos por sorrisos e dos mil verbos inarticuláveis pelo meu torpe pálato com que tentei moldar as brancas páginas do nosso livro. Mas fez-se já tarde demais na dura altivez das tuas palavras que ditas de costas para mim emprestaram luz ao que nunca me permiti ver.
E assim nos separa o que nos une, toldando o proferido pelo pragamatismo de uma vida à qual não se pode nem fugir nem gostar e segue-se na sofreguidão do consumo dos dias desta convivência impelida, porque o regresso a nós é hoje não mais que um uníssono “NÃO” temperado a lume brando pelo peso de escassos “SIMs” de conveniência que em consciência nos desgastam.
Em nós há apenas o que tem de haver pois despiste-nos da simplicidade desinteressada que para mim tenho como substrato de histórias comuns! Até já e até ao nosso esperado fim…